A Vida Passou Por Aqui, de Luís Francisco

«E depois, pronto, os três à mesa, como sempre, com o tempo preso lá fora, a fazer birra para lá da porta, impotente para quebrar este feitiço de perenidade, os três à mesa, como sempre, o pai a perguntar-me coisas, eu a falar, orgulhosa, da minha vida, o sorriso suave da mãe a tingir-lhe os olhos de uma beleza que nunca vi noutro lado. Os três à mesa, a vogar no nosso mar sem ondas, sem sobressaltos, o pai a provar o vinho com gestos de especialista, a deitá-los para um copo que não tem nada a ver (tem uns de jeito, mas não os usa porque se podem partir) a servir a mãe, a encher o meu. Os três juntos outra vez, desculpem ter andado perdida todo este tempo, já sei que não deram por isso, mas desculpem-me, a sério, estou de volta. À vossa vida, à minha, com o tempo lá fora à espera, eu sei. Mas ele pode esperar.»